(...)
- E o que tens tu a ver com isso? - perguntou o gato. - Ele sente-se, por acaso, infeliz?...
- Não se sente infeliz - respondeu o rato -, sofre. É o que eu não consigo suportar. E depois vai acabar por cair na água, por se debruçar de mais.
- Sendo assim - disse o gato -, quero prestar-te o serviço; mas não sei por que digo «sendo assim», uma vez que não compreendo nada.
- És formidável - disse o rato.
- Mete a cabeça na minha boca e espera - disse o gato.
- Vai demorar muito tempo? - perguntou o rato.
- O tempo de alguém me pisar o rabo - disse o gato. - Tenho de ter reflexos rápidos. Mas vou deixá-lo bem estendido, não tenhas medo.
O rato afastou as mandíbulas do gato e meteu a cabeça entre os seus dentes afiados. Logo a seguir retirou-a.
- Diz-me cá - perguntou -, hoje de manhã comeste tubarão?
- Ouve - disse o gato -, se não te agrada podes pôr-te a mexer. Esses truques não me impressionam. Desenrasca-te sozinho.
Parecia aborrecido.
- Não te zangues - disse o rato.
Fechou os pequenos olhos pretos e pôs a cabeça em posição. Cauteloso, o gato encostou os caninos acerados ao pescoço cinzento e delicado. Os bigodes pretos do rato misturaram-se com os seus. Desenrolou a cauda felpuda e deixou-a estender-se no passeio.
Aproximavam-se, a cantar, onze rapariguinhas cegas do Orfanato Júlio o Apostólico.
Não há final mais belo para uma grande história de amor...
- E o que tens tu a ver com isso? - perguntou o gato. - Ele sente-se, por acaso, infeliz?...
- Não se sente infeliz - respondeu o rato -, sofre. É o que eu não consigo suportar. E depois vai acabar por cair na água, por se debruçar de mais.
- Sendo assim - disse o gato -, quero prestar-te o serviço; mas não sei por que digo «sendo assim», uma vez que não compreendo nada.
- És formidável - disse o rato.
- Mete a cabeça na minha boca e espera - disse o gato.
- Vai demorar muito tempo? - perguntou o rato.
- O tempo de alguém me pisar o rabo - disse o gato. - Tenho de ter reflexos rápidos. Mas vou deixá-lo bem estendido, não tenhas medo.
O rato afastou as mandíbulas do gato e meteu a cabeça entre os seus dentes afiados. Logo a seguir retirou-a.
- Diz-me cá - perguntou -, hoje de manhã comeste tubarão?
- Ouve - disse o gato -, se não te agrada podes pôr-te a mexer. Esses truques não me impressionam. Desenrasca-te sozinho.
Parecia aborrecido.
- Não te zangues - disse o rato.
Fechou os pequenos olhos pretos e pôs a cabeça em posição. Cauteloso, o gato encostou os caninos acerados ao pescoço cinzento e delicado. Os bigodes pretos do rato misturaram-se com os seus. Desenrolou a cauda felpuda e deixou-a estender-se no passeio.
Aproximavam-se, a cantar, onze rapariguinhas cegas do Orfanato Júlio o Apostólico.
Não há final mais belo para uma grande história de amor...
posted by marsalho at 00:36
13 Comments:
LOOOL mesmo assim haveria a probabilidade de nenhuma delas pisar a cauda do gato....
Lindo!!!
Peço desculpa, mas é suposto o rato querer ouvir um grito renhau quando pisarem o rabo ao gato? ou os gatos fecham a boca quando se aleijam?.... Ou é suposto o gato ficar zangado e descarregar no rato logo a seguir? Não percebo muito de gatos... as minhas desculpas...
entao e o tal blog do casava-me amanha? anda paradito, hein???
Sarrafo, dude, é uma metáfora!
Helluah, sabes, o tempo não sobeja...
meu, inteligência não é muito comigo, e tenho sérios problemas de interpretação. Estou dividido, porque preciso que me expliquem se é suposto o gato decapitar o rato pela dor, pela motivação que a dor lhe dará, se é apenas uma questão de tempo até ocorrer um evento (pisarem o rabo) ou se ~se cai numa coisa esquisita em que não é suposto o rato morrer porque o gato gritará em vez de morder.
Dude, quando te digo que é uma metáfora é porque... errrr... é uma metáfora. É irrelevante o que acontece ao rato (e como). O ponto importante é: o rato não quer mais viver porque não aguenta ver o sofrimento (gigantesco) do "dono" que acabou de perder a mulher - que morreu com um nenúfar no pulmão. Mas podemos analisar o texto - se é que uma análise é pertinente - e deduzir que é suposto o rato morrer, de forma relativamente rápida, mordido pelo gato, quando fôr pisado pelas ceguinhas. Dir-me-ás que o dente de um gato não mata um rato; não desta forma. Mas, por aí, é como diz a Camélia: as ceguinhas podem até não pisar o gato. E digo-te mais: também não se morre com nenúfares nos pulmões! É tudo irrelevante. O importante é que há um gajo que ama profundamente e que vê o amor da sua vida morrer sem que ele o possa evitar. O importante é perceber que o sofrimento do homem é tão grande, mas tão grande, que até para o rato que habita na casa dele se torna insustentável. E o rato escolhe pôr termo à sua própria vida. Posto isto, mais alguma pergunta sobre o rato?
Obriga-os a ler o livro ;)
Isso. Gnu, lê o livro. Tem tudo para gostares.
do género mini figados no pescoço?
Ya! Mas muito melhor!
queres chutar aí o título para não me obrigar a ler isto tudo com atenção no caso de já teres escrito o mesmo e para n me obrigar a fazer um copy paste no google?
A Espuma dos Dias, do Boris Vian.
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