3.23.2006

Olho para os 600 mails que tenho por ler. Há já muito que perdi a paciência para ler anedotas, ver pequenos filmes, reflectir sobre powerpoints inconsequentes, ler mensagens de apelo e sei lá mais o quê. Pontualmente, deparo-me com um anúncio verdadeiramente engraçado ou com uma fotografia bem conseguida. Mas são casos pontuais. O lixo abunda. E vem de todos os lados, mais do que uma vez, ontem, hoje e amanhã. Perde-se demasiado tempo com a praga dos mails. Não tenho paciência. Nem no trabalho nem em casa. Ontem calhou abrir um desses mails. Um mail de texto, daqueles que dizem "não apagues, lê até ao fim". São os piores. Sou céptico por natureza. Duvido de quase tudo. Então quando se fala de Internet, duvido de tudo mesmo. Não há paciência para a promoção (inexistente) da Sony, para a criança desaparecida (com um tipo de sangue que não existe), para os cãezinhos para dar (com um número de telefone não atribuído), para a burla da Via Verde (sem qualquer fundamento). Mas lá acabei a olhar para aquele mail. Não sei porquê. Talvez porque falava da Suécia (e eu gosto de suecas). O mail era o suposto relato de um português a trabalhar há 15 anos na Suécia, funcionário da Volvo. O mail tinha todos os lugares comuns habituais, todos os clichés, todo o non-sense de um mail com a presunção de querer mudar o mundo. No meio de muita palha, o suposto português relata um episódio. Lá na Volvo, onde trabalham milhares de pessoas, o parque de estacionamento é gigantesco. Nos primeiros dias de trabalho, o nosso amigo português apanhava boleia de um colega local. Faziam a viagem calados, claro está (afinal, os suecos são frios como toda a gente sabe). Para perplexidade do português, o colega estacionava o carro longíssimo da entrada do edifício, havendo lugares à porta. O português achava estranho, mas ficava na sua, calado. Um dia, o português acabou por perguntar ao colega sueco por que motivo não estacionava ele à porta, havendo lugares. O sueco terá respondido com a maior das naturalidades que como chegavam cedo tinham tempo para andar um pouco; e deixava os lugares mais próximos do edifício para quem chegasse atrasado. O mail continuava com um chorrilho de lugares de comuns e pseudo-crap-newage. Sou céptico por natureza. Duvido de quase tudo. Então quando se fala de Internet, duvido de tudo mesmo. Este mail não foi escrito por um português a trabalhar na Suécia. Tenho a certeza. Mas deixou-me a pensar. Será mesmo possível (seja aqui ou na China - quer dizer, Suécia) criar-se uma consciência colectiva de respeito e consideração pelo próximo? Uma consciência que contrarie em tudo a chico-espertice que tanto nos caracteriza? Não somos os únicos chicos-espertos do mundo. Basta ver Os Simpsons para perceber que o problema é global. Ou quase. Fico ainda a pensar. Não seria uma chatice estacionar longe só por consideração ao próximo? Afinal, o comodismo é tão bom. Imagino-me nessa situação. Claro que estacionaria à porta. Então se fosse o lugar mais próximo da porta até esfregaria as mãos de contentamento. Interrogo-me novamente. Não seria melhor um mundo em que optássemos por estacionar mais longe, tivéssemos nós tempo, por consideração ao próximo? Não me parece possível. Curiosamente, constato que há não muito tempo a minha principal preocupação era estacionar o mais próximo possível do local de trabalho. E para isso valia tudo: quatro rodas em cima do passeio, condicionar a passagem a peões, obstruir a porta de um prédio, encostar ao carro do lado, da frente ou de trás. Hoje, a minha principal preocupação é não incomodar. Talvez por não gostar de, enquanto peão, ter que andar na estrada a desviar-me de carros que estão em cima do passeio. Talvez porque não gostava que me obstruíssem a porta do prédio. Talvez por não gostar que encostem o carro ao meu. E para isso não me importo de estacionar mais longe, seja de casa, seja do local de trabalho. Claro que fico feliz da vida quando tenho um lugar à porta, mas pronto, sou humano. Acima de tudo, gostava de acreditar num mundo em que a consideração pelo próximo fosse um dado adquirido - fosse no estacionamento, fosse na mais banal das relações humanas.

5 Comments:

Blogger Magnolia said...

Só prova que és civilizado.
(e eu escolhi um mau dia para te ter mandado um mail, certo...?)

12:29 da manhã  
Blogger Camélia said...

Sabes, em Economia existe um termo para esses tais indivíduos que se aproveitam de quem tem consideração pelo próximo: são os Easy-Riders (só pela designação, perecebe-se logo) e são normalmente estes tipos que causam os ditos desiquilíbrios na consciência colectiva. Chamam-se imperfeições de mercado. Bom, se quiseres aprofundar mais isto, lê papers ou mesmo um livro sobre Economia Pública. E depois observa novamente o "Povão". E depois arrepia-te!

9:47 da manhã  
Blogger Mipo said...

concordo contigo, mas acho que, apesar de tudo, ainda há muita gente com civismo e sensibilidade em relação aos outros - não dão é tanto nas vistas. Por outro lado, vamos lá ver: alguém tem de ficar com o lugar à porta!

11:21 da manhã  
Blogger Camélia said...

Lá isso é verdade. Mas que não seja por falta de civismo ;)

12:18 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Hum... Cá para mim o individou k escreveu esse mail chega SEMPRE atrasado e nunca encontra lugar à porta... logo, teve a ideia de inventar essa história e destribui-la pelos colegas numa tentativa de ter mais sorte, já k era inevitável chegar a horas.

12:48 da tarde  

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